Espiritualidade ecumênica
**Os textos de colunistas aqui publicados são de sua total responsabilidade e não refletem a opinião do jornal O Alto Uruguai
segunda, 30 de agosto de 2021

Sou professor. Aprendi com o mestre Paulo Freire a regra de que é preciso antes estudar para ensinar. Com ele aprendi também o método de estudar que se resume em ler o mundo antes de ler os livros, mexer a realidade antes de comer teorias. Tudo deve acontecer praticando o “ecumenismo epistemológico”, uma mistura cooperativa entre o ensinar e o aprender. Uma de minhas buscas atuais é entender o que está ocorrendo no Brasil a partir da mistura de religião e política. Desbravando este território encontrei líder religioso recitando oração que soava diferente de tantas que são pronunciadas nas igrejas. “Deus, nosso Pai, que sois todo poder e bondade, dai força àqueles que passam pela provação; dai luz àquele que procura a verdade; ponde no coração do homem a compaixão e a caridade. Deus! Dai ao viajor a estrela guia; ao aflito a consolação; ao doente o repouso. Pai!  Dai ao culpado o arrependimento; ao espírito a verdade; às crianças o guia; ao órfão um pai. Meu Deus, eu, tão pecador, lhe peço pela humanidade, pelos meus erros, pelos meus tropeços, pela minha vontade de acertar, de lutar e de vencer. Meu Deus, um raio de vosso amor pode abrasar a terra, deixar-nos beber nas fontes essa bondade infinita, e todas as lágrimas se secarão, e todas as dores se acalmarão, um só coração, um só pensamento subirá até vós”. Terminada a oração, o locutor fez elogio à Religião Universal e enalteceu a Cruzada de Religiões Irmanadas. Esta oração foi psicografada na França em 1873, inspirada no Hino ao Criador de São Francisco. Chama-se Oração de Cáritas, e parece ser um credo estruturante da Legião da Boa Vontade. O orador era o jornalista Paiva Neto que lembrou o jornalista Alziro Zarur, patriarca da LBV, e protagonista da popularização da oração. Deixei a TV e corri à internet. Durante horas estudei a biografia de ambos, a história da entidade, os valores que propaga, a ação que desenvolve em favor dos pobres e excluídos, a pedagogia do afeto e do cidadão ecumênico, e de sua inserção no âmbito da Associação Brasileira de Imprensa, onde divulgou, desde os primórdios, o credo da solidariedade universal, o altruísmo, o ecumenismo e a caridade como fundamentos teológicos da entidade.
Meu conhecimento da LBV estribava-se em dois fatos. O primeiro ocorreu em 1959 através de figura publicada pelo Anuário Antoniano. A estampa apresentava uma besta horrorosa cavalgada pela figura do diabo como pintado na catequese tradicional. Com aquela terrível figura o Anuário pretendia combater a LBV e Alziro Zarur, o personagem que cavalgava a besta. Ambos eram apresentados como ameaça à Igreja Católica. A segunda lembrança veio ao visitar o Templo da Boa Vontade, em Brasília, o monumento mais visitado na capital federal. Nele senti o que sentiu o cardeal Dom Hélder Câmara estando num templo budista na Índia. Dele dizia o arcebispo que sentiu estar dentro de uma casa de oração igual àquela onde ele celebrava a missa. Ali, tive a certeza de estar orando ao mesmo Deus que os legionários invocam. A prova disto está em que eles fazem tanto quanto ou mais do que os católicos costumam fazer em favor dos pobres. A prática da assistência; a distribuição de alimentos; os lares para crianças abandonadas; os albergues para acolher miseráveis nas ruas; as escolas de alfabetização e de ensino profissional; a ronda da meia noite e a sopa dos pobres apontam para ecumenismo prático como força superior de criar soluções para mitigar o flagelo produzido pela exclusão social. O mundo precisa mais de samaritanos e menos de levitas e de sacerdotes, como dito na parábola do Bom Samaritano. Desta mudança de atitude nasce a espiritualidade ecumênica e a consciência socioambiental, fundamentos para o humanismo inclusivo pregado pelo Papa Francisco na Carta Fratelli Tutti. Do Ecumenismo pregado pelo jornalista Zarur, desde a década de quarenta, podemos dizer que foi força de confraternização religiosa antes do Papa João XXIII fazê-lo dentro da Igreja católica, no Concílio Vaticano II. Alziro Zarur foi condecorado com medalha concedida pelo Papa Paulo VI, entregue pelo Núncio Apostólico Sebastião Baggio.
De toda boa vontade traduzida em ações sociais pela Legião, destaco a educação feita em mais de oitenta escolas que mantém gratuitamente para crianças e adolescentes pobres. A pedagogia adotada tem valor universal e se fundamenta em valores cristãos. Trata-se da Pedagogia do Afeto. Enquanto redes de ensino à distância robotizam sua didática e produzem indivíduos unidimensionais, a Pedagogia do Afeto valoriza o humano e procura educar o cidadão ecumênico, comprometido com a cidadania planetária. A besta demoníaca, que vi no Anuário Inaciano em 1959, era figura falsa, de uma entidade que inviscera valores cristãos dentro de uma sociedade materialista e indiferente.
 

Fonte: