Salve Rainha
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terça, 08 de novembro de 2022

Enquanto devotos católicos cantam “Salve rainha”, em milhões de locais onde se cultua alguma devoção à Nossa Senhora, ingleses e populações que formaram o Império Inglês cantam em posição de sentido “Deus salve a rainha”. A tradição de cultuar o soberano como vigário de Deus vem de longa data. Faraós, imperadores, reis e rainhas, conquistadores reinavam oprimindo os dominados, inculcando-lhes a crença que esta era vontade de Deus.
O Império Britânico soube fazer deste truque o segredo de sua longevidade. Há mais de mil anos, o soberano ali se faz passar por semideus. Nos últimos séculos, as rainhas assumiram o posto e o comando. A letra do hino (nacional) do Reino Unido mostra bem o quanto fincou raízes na memória popular a figura do soberano fazendo-se passar por Deus. O hino começa dizendo “Deus salve a rainha, feliz e gloriosa, longa vida à rainha”. Deus lhe concedeu 70 anos de reinado. Viveu gloriosa. Não sabemos se feliz. A lista de crimes que cometeu é longa. Ela cobre 25% da superfície da terra, o tamanho das fronteiras do que era o império inglês que dominava 51 países. Poucos são os lugares onde não se encontraria alguma mancha de sangue derramada pela crueldade dos colonizadores ingleses.
Na África, Elizabeth II comandou, pessoalmente, genocídios de comunidades que lutaram contra a exploração colonial da Inglaterra. Na Índia, populações inteiras foram confinadas como se faz com o gado e fuziladas sem dó e sem piedade. A exploração colonial foi brutal e desumana em toda parte. A riqueza da Inglaterra o bem estar de sua população foram obtidos com o saque, roubo e pilhagem das colônias. Dois por cento dos ingleses ricaços confessam que suas fortunas resultaram de roubos feitos nas colônias realizados com a proteção do exército da rainha.
 Mas, ela teve tempo de sobra para se fazer passar por bonachona e esquecer as maldades cometidas.  Da rainha ainda moça nada se fala. Prevaleceu a imagem de senhora simpática e afável.
Os ritos mortuários externalizaram pompas e honras jamais vistas na história. Mesmo, morta, tentaram mantê-la “viva” ainda por doze dias. Andou, carregada num caixão de carvalho, de palácio a outros palácios, de catedral a outras catedrais e abadias.
Coincidiu que neste tempo, estava na Inglaterra visitando minha filha.  Conheci os palácios e catedrais por onde passou seu féretro. Multidões incalculáveis se aglomeravam nas proximidades dos palácios, mesmo sabendo que não poderiam ver a rainha.
O Reino Unido parou. Não estava acreditando que sua rainha havia acertado contas com o sinistro vulto carregando afiado gadanho. A rainha parecia imortal. Mas, morreu. A igreja que ela governava concedeu-lhe as honras que a monarquia reservou só para si. Na história política, a monarquia continua sendo um resto de antigas formações sociais quando o povo não podia escolher seus governantes. É esdrúxulo ver que há uma casta que desfruta de privilégios que só ela detém. A família real é um ente parasitário. Vive do subsídio de dois milhões de libras por semana que o governo inglês lhe repassa, sem que tenha de prestar contas, ou pagar qualquer imposto sobre a fabulosa renda. 
No reino animal, insetos formam comunidades que se reproduzem e vivem a partir do trabalho da rainha. Ela reproduz a colmeia, inclusive as novas rainhas que irão constituir nova colônia. A rainha é cuidada, protegida e alimentada por ser a responsável pela sobrevivência da comunidade.
A comunidade dos insetos fornece o modelo de como os humanos deveriam se organizar. Para os devotos de Nossa Senhora, cultuada sob diferentes denominações, a figura da “rainha” faz lembrar a soberania materna que protege. Bem diferente de qualquer rainha sentada no trono, com o cetro na mão, ouvindo o refrão “Deus salva a rainha”.


 

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