Em uma lancheria, de uma rodoviária
**Os textos aqui publicados são de total responsabilidade de seus autores, e não refletem a opinião do jornal O Alto Uruguai
sexta, 29 de julho de 2022

O que se escuta em uma lancheira na rodoviária, fica na rodoviária. Depois de uma viagem de mais de seis horas, que me trouxe de férias a minha cidade natal, degustava meu desjejum, absorta entre as mensagens do celular quando o que outrora era burburinho ao lado, se tornou objeto de minha atenção (ou diria audição). Confesso que não virei para ver quem eram as duas mulheres que conversavam sobre viagens e relacionamentos, já que não sou atreita a bisbilhotar a vida alheia. Ainda pensando o que me fez parar de responder e-mails (sim, eu faço isso, mesmo sendo 5h30min, mas, como sou educada, programo que entre a partir das 8h30min) e ficar atenta à conversa ao lado. Talvez o colorido da entonação ou a fala sem pausa e com um fôlego de dar inveja a um locutor. Uma delas dominava as pautas e, de onde lembro que comecei a escutar, o papo iniciava com um grupo de brasileiros em um fim de ano em Portugal. Uma das brasileiras se interessou por um gajo e na falta de feedback aos seus flertes, tocou de falar em alto e bom tom: "Deve ser maricón", quando foi surpreendida por um beijo na face. A moça devia ser marinheira de primeira viagem, néscia da cultura local e desesperada por um romance. A saber, em países europeus como Portugal, o ritmo dos flertes e cantadas (se é que existem) é bem menos acelerado do que aqui no Brasil. A outra retrucou: "E aí? Deu romance?" A resposta foi: "Ele veio visitar ela uma vez, e até engataram um namoro, mas cada um tinha sua vida, seus empregos, e ficou nisso." Outro retruco: "É, eles gostam de brasileiras, né?". Nessas alturas, fiquei nitidamente incomodada. Como reclamar de xenofobia e visões distorcidas sobre o Brasil se nós mesmos tratamos de dar uma mãozinha nisso? E o assunto continuou, agora, sobre a mãe e as tias da pauteira da conversa. Algo como mulheres mais novas se casarem com homens mais velhos. Escutei verdadeiras aberrações, que pioraram meu nojo por estarem vindo de duas mulheres. Algumas pérolas que ouvi: "…claro, ele ficou doente e ela ainda nova, cheia de viço, precisou ficar controlando medicação, fazendo comida sem sal… Sem falar que ele tinha problema de próstata e se mijava perna abaixo"..." Mulher que fica com homem mais velho deve ter alguma necessidade, deve ter um emprego mais ou menos ou tem pouca cultura". Desisti de pedir um outro café. Paguei a conta e resolvi escrever para vocês. Lamentável a falta de sororidade que, para quem não sabe, é o sentimento de irmandade, empatia, solidariedade e companheirismo entre as mulheres. A mulher contemporânea ainda não está livre de rótulos e o preconceito de uma mulher para com a outra ainda é gigante. Em tempo, sempre me relacionei com homens mais velhos por gosto pessoal. No entanto, sempre me sustentei, dividi ou até paguei contas de restaurante e me considero com uma boa cultura, não pelo título de Doutora e Pós-Doutora que a academia me concedeu, mas pela escola da vida. Vontade grande em saber se quem fala esses impropérios é feliz…

Bons Ventos! Namastê.
 

Fonte: