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Olímpicos
O surf de calçada: uma extensão da praia no asfalto
O grupo de skatistas marcou os anos 2000 com o som das rodinhas riscando as ruas de FW
Por: João Marcelino*
Publicado em: segunda, 21 de junho de 2021 às 15:59h
Atualizado em: segunda, 21 de junho de 2021 às 16:53h

Frederico Westphalen, anos 2000. Na época, Felipe Antonio Egert tinha 12 anos e estava envolvido com a onda de skate nas ruas da cidade. Com os joelhos ralados e sempre machucados, as primeiras manobras começaram no quintal da casa do primo mais velho, com   obstáculos improvisados com restos de madeiras encontradas nas ruas. Como naquela época havia pouco acesso ao celular e internet, há poucos registros, mas Egert, hoje com 29 anos, conta sua história com saudade daquele tempo.

Com roupas largas e sempre com o skate na mão, o grupo de skatistas marcou os anos 2000 com o som das rodinhas riscando as ruas de FW. Na essência do skate de rua, os meninos não tinham um lugar específico para praticar a modalidade, nenhum lugar era permitido, mas todos eram ideais para o skate. Sempre em movimento, de ponto em ponto para não serem descobertos, o grupo se movimentava por toda a cidade. Os dias de chuva não eram impedimento. Na rua, nas praças ou na frente da igreja. Quando chovia, nos fins de semana, os meninos circulavam nos postos de gasolina. Abriam as correntes e andavam até alguém ver pela câmera e mandá-los embora, e então iam para outro lugar. O sonho de criança era andar de skate para o resto da vida.

O estilo de vida
Entre muitos erros e acertos, os meninos do skate aprenderam ensinando. Entre primos e amigos, o grupo dos skatistas aproveitou a infância e adotou o skate como um estilo de vida. Mesmo com manobras limitadas, por falta de acesso à informação e local apropriado, os garotos mais experientes e com mais idade participavam de alguns campeonatos pelas cidades vizinhas, conheciam outras “galeras” e aprendiam coisas novas. Depois, passavam para os mais novos e assim a cultura do skate se instalou na infância e nos sonhos de Egert.

As roupas não bastavam ser as mais largas, tinham que ser de uma marca de skatista, para que ele se visse como um deles. Egert gostava de se sentir skatista, ter essa essência. Mas a década virou e com ela os sonhos e planos mudaram. Ele, que passava o dia em cima do skate, cresceu. 

– Conforme o tempo foi passando, amadurecemos, e o que a gente mais queria era não se machucar para continuar andando, porque era nossa vida andar de skate. Mas comigo acabou acontecendo, eu também cresci e ganhei novas responsabilidades. Hoje, tem o trabalho, a família, e o tempo vai acabando, mas ainda tenho o estilo de skatista – relata.

Modalidade que causa impacto
Todo mundo tem queda no skate, e com o menino não foi diferente. Egert andou dos 12 aos 18 anos, e já praticava outros esportes. Os machucados, com o tempo, tornaram-se algumas lesões. A modalidade é um esporte de muito impacto, e como toda criança, o anseio era não sentir mais dor para poder continuar praticando. Por um tempo ele passou a andar de longboard [tipo de skate, porém mais comprido], na esperança de causar menos impacto. “A gente descia ladeiras, e numa dessas eu caí e desloquei o ombro”.

Além de se machucar no skate, Egert também passou por algumas eventualidades praticando outros esportes. Depois de um tempo, entre algumas voltas a praticar, começou a sentir dor e não pôde voltar para o skate. “Quando melhorei, comecei a correr, descobri a corrida como esporte e chances menores de lesões. Hoje, por uma questão de saúde, pratico a corrida e ando de bicicleta”. 

Aos 22 anos, o jovem já havia conquistado novos sonhos e no percurso surgiram novas possibilidades. Graduando de Engenharia Elétrica, Egert teve a oportunidade de realizar um intercâmbio para os EUA. As possibilidades eram muitas e os sonhos de criança em conhecer o berço do skate, na Califórnia, se realizaram. O intercambista morou no Texas e lá conheceu um novo mundo. Com uma grande troca cultural, fez amigos e voltou a andar de skate, mas em um novo formato, como meio de transporte. “Cheguei e vi que a maioria das pessoas na universidade andavam de skate como meio de transporte, então comprei um cruiser [versão menor do skate, mais curta e fina] e andei lá por todos os lugares”. 

O ciclo dos 10 anos
Com o tempo, o barulho das rodinhas riscando as ruas se abafou. O skate adormeceu com os novos sonhos no grupo de amigos. Mas o silêncio não durou muito tempo. Outras gerações cresceram, e como todo sonho bom, atualmente o skate voltou para as ruas e enche os olhos de Egert. Desde sua origem, a prática do skate passou por algumas fases de silêncio. As ondas de idas e vindas sempre ressurgem conforme o tempo, e o engenheiro eletricista já sente a presença do estilo pelas ruas da cidade de novo.

– Eu estava andando e vi uma movimentação, parei e fiquei assistindo. Vi minha infância passando por mim e comecei a conversar com eles. Contei que há um tempo atrás eu tinha um grupo de skatistas que também andava pelas ruas e hoje eram eles que estavam fazendo o movimento. Agora temos uma troca de ideias, informações e experiências entre as duas gerações. A vontade é ir para casa, pegar o skate e sair andando, querer tanto e não poder, é complicado. Mas, eu entendo que foi uma fase, e que ainda levo a essência comigo”, conta. 

O skate nas olimpíadas
Décadas antes de Egert e seu grupo de amigos andarem por FW, a modalidade nascia no fim dos anos 50. Quando não havia ondas no litoral da Califórnia, os surfistas tentavam imitar as manobras de surf usando rodas e eixos montadas em pranchas de madeira. Como uma extensão da praia no asfalto, piscinas foram esvaziadas e os surfistas/skatistas descobriram a nova modalidade. O skate na década de 80 foi caracterizado por uma explosão de rampas de madeira feitas pelos próprios skatistas em ruas e atualmente a modalidade ganhou espaço mundial.

Neste ano, o skate será uma das modalidades integrantes dos Jogos Olímpicos em Tóquio. Mas, na época, Egert relembra que o esporte era malvisto e marginalizado pela sociedade. Com voz calma e tom esperançoso, ele destaca que a importância da modalidade nas olimpíadas reflete dentro de casa, no incentivo de uma mãe para um filho que deseja levar a extensão do surf para os asfaltos.

*Sob supervisão de João Victor Cassol

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Fonte: O Alto Uruguai
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