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Segurança
Morte de criança em Imbé repete caso Rafael e gera reflexões sobre proteção
Especialistas comentam sobre importância de quebrar tabus e realizar denúncias de situações suspeitas
Por: João Victor Gobbi Cassol
Publicado em: quarta, 04 de agosto de 2021 às 10:46h
Atualizado em: quarta, 04 de agosto de 2021 às 10:51h

Não apenas o uso de medicamentos para impedir a reação da criança no momento do crime final, tampouco a violência a que diariamente o filho era submetido, são as únicas coincidências que fazem a morte de Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, ocorrida em Imbé, na semana passada, relembrar a sequência de fatos ocorridos há pouco mais de um ano em Planalto, no caso que vitimou Rafael Mateus Winques. A aparente normalidade na relação de mãe e filho e a ausência de qualquer suspeita sobre o doentio comportamento familiar também foram pontos que precederam mais uma tragédia envolvendo uma criança no Rio Grande do Sul.

Autora confessa da morte do filho, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, segundo a Polícia Civil (PC), costumava agredir o filho em casa, submetendo a criança à violência física e psicológica. As repressões ao menino seriam reforçadas pela companheira de Yasmin, Bruna Nathieli Porto da Rosa, que está presa, junto com a mãe de Miguel. 

As agressões atingiram o ápice na quarta-feira, 28 de julho, quando Yasmin teria dopado o filho com uma forte dose de remédios, colocado o corpo dele em uma mala e arremessado no rio Tramandaí. Segundo a PC, ela disse que sequer sabia se Miguel estava morto ou não após o envenenamento.

Cuidado com as crianças é responsabilidade social
Ainda que as investigações sigam, primeiro em busca de encontrar o corpo do menino, a história de Miguel também evidencia um problema já debatido em situações semelhantes, como na morte do menino Bernardo Boldrini, em 2014, e na de Rafael, em maio do ano passado. Os três desfechos trágicos compartilham a falta de ações externas, que poderiam ter interrompido as agressões.

Sem ir à escola, embora estivesse matriculado, Miguel não pôde recorrer aos professores. Segundo a mãe, ele tinha asma e não poderia frequentar o colégio. Semanalmente, ela buscava e entregava as atividades no educandário, sem levantar suspeitas sobre a rotina de agressões que cometia em casa contra o filho. O assunto foi comentado pela assistente social da Secretaria de Educação e Cultura de Frederico Westphalen, Graziella Damo Fontoura.

– Para nós, profissionais da infância, é fato que a escola é a porta de entrada para todos os problemas. Dificilmente, o professor e profissionais do educandário não percebem que algo de errado vem ocorrendo com a criança e ou adolescente. Aliás, os primeiros sinais que eles dão de que algo não vai bem, é na escola. A escola faz parte da rede de proteção à criança e ao adolescente, e no momento em que identifica quaisquer negligências ou violações de direitos, imediatamente aciona a rede de proteção, que por meio de seus órgãos buscam a proteção da criança e do adolescente. Tal crime talvez pudesse ter sido evitado, caso a criança estive na escola, frequentando o ensino presencialmente – frisa a assistente social.

Não se meter na educação dos filhos dos outros?
Da mesma forma que “não meter a colher em briga de marido e mulher” deixou de ser um ditado válido à medida que passou a salvar vidas, intervir na educação dos filhos dos outros é um ato de responsabilidade para com as crianças, segundo a delegada regional de Polícia Civil, Aline Dequi Palma. 

– Ainda existe a cultura de que não se pode interferir. Mas não interferir é diferente de se omitir. Quando o rigor na educação é excessivo, precisa ser denunciado. A denúncia pode até ser infundada, mas é melhor o Conselho Tutelar descartar uma denúncia de maus-tratos do que deixar que uma criança seja vítima sem qualquer intervenção. A criança sempre dá um sinal de que está sofrendo algum tipo de violência, seja física, psicológica, sexual. É importante que as pessoas próximas (familiares, vizinhos, professores) estejam atentas para perceber esses sinais e comunicar os responsáveis ou os órgãos de proteção. É dever de todos nós protegermos nossas crianças – salienta a delegada.

Pandemia dificulta rastreio de casos
Sem denúncias, nem escola, Conselho Tutelar, Brigada Militar ou Polícia Civil tiveram a chance de efetuar algum tipo de ação em Imbé, para evitar a tragédia, ainda que, para a PC, vizinhos teriam desconfiado do comportamento das responsáveis por Miguel, embora não tenham formalizado nenhum registro. A pandemia e, consequentemente, o isolamento, são apontados como empecilhos para a identificação desses crimes. “A pandemia fez crescer a violência doméstica de uma forma geral. Também fez diminuir os registros policiais, já que o isolamento torna mais difícil o pedido de socorro, principalmente, dos mais vulneráveis”, salienta Aline.

O mesmo pensamento é reforçado por Graziella. “Considero de suma importância o investimento dos governos na política de educação, favorecendo o necessário para que as crianças e adolescentes possam ter o acesso ao ensino público de qualidade, presencialmente e com o cumprimento das normas sanitárias em relação à pandemia”, afirma a assistente social.

Após o fato, lideranças de Imbé se reuniram, nessa semana, para debater alternativas que permitam a realização de aulas híbridas, como ocorre na maior parte do interior do Estado, com alternância entre aulas presenciais e teóricas, o que permitiria a eventuais vítimas de ações, como as que geraram as tragédias envolvendo Miguel e Rafael, sejam identificadas e evitadas.
 

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Fonte: O Alto Uruguai
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