O simulacro do ser ou não ser
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terça, 16 de abril de 2024

O distanciamento da realidade do que somos e do que, muitas vezes, representamos ser nos remete a famosa peça teatral de Shakespeare cujo personagem Hamlet vive a tragédia de ter vivido um simulacro (imitação, simulação), sem perceber a si mesmo e o contexto a sua volta.  A sociedade vigente cada vez mais nos incita a viver essa farsa velada, nos deixando alienados em nossa percepção do que somos, assim reféns da imagem. Afinal, são tantos os padrões estabelecidos de beleza, de atitude, de gênero, de cor da pele, de conjuntura social, que nos perdemos de nós mesmos em busca do que é ideal para os outros.  Logo, perdemos o controle e esquecemos que somos nós que detemos o domínio do que podemos “ser” e, portanto, a direção de nossas vidas. 
Com essa reflexão, não se está afirmando que padrões não sejam bem-vindos, mas há de se ter sabedoria em selecionar o que realmente importa, mereça e possa ser copiado. 
Normalmente seguimos como modelo aquilo que nos inspira e/ou faz sucesso, seja o corte de cabelo que a protagonista da novela está usando, a dieta milagrosa que fez uma celebridade emagrecer em uma semana, a nova coleção de um estilista renomado ou a febre musical que está rodando nas rádios e principais pistas. Contudo, devemos questionar o quanto mimetizar essas imagens pode nos trazer felicidade, para não ser escravo dos modismos e viver em um mundo de aparências. 
Baudrillard cita o mundo da política como um grande simulacro, exemplificando que por alguns instantes a maquiagem esconde as rugas, os preconceitos somem e comer um prato feito na favela pode ser divino. Finaliza ironizando que apesar do público não ser surdo e cego, muitas vezes aplaude o espetáculo devido a sua originalidade. Ou seja, nesse momento, a representação foi tão perfeita que se mesclou o imaginário com o real. Para não cair nessas ciladas, o antídoto reside na consciência crítica, que nos faz não perder a autonomia frente a nós mesmos e ao mundo. 
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra em referência ao preservar o que somos (nossa identidade) sem, no entanto, deixar de evoluir. De se permitir seguir padrões sem que isso seja a regra, para que nunca possamos nos perder de nós mesmos como decantou Fernando Pessoa “A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou. Mas hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou (...) E, ao ver-me tal qual fui, achar em mim um pouco de quando era assim." E Guimarães Rosa arremata: “quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia”.
Bons Ventos! Namastê.
 

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