Diálogos à míngua
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sexta, 04 de junho de 2021

A falta de diálogo continua sendo a principal justificativa para rupturas na teia social (familiar, amorosa e profissional), desfalecendo relacionamentos, soçobrando amizades, distanciando filhos, acirrando guerras, gerando inimizades e contribuindo para o desfacelamento da competência humana em se relacionar. Mesmo assim, muitos continuam achando que dialogar é bobagem, coisa de quem gosta de ter “papo cabeça” ou “conversa fiada”, não compreendendo que o diálogo é indispensável às relações humanas. O ato de dialogar qualifica a forma como nos dirigimos ao outro, mesmo quando existem oposição de ideias, evitando mágoas e estabelecendo a lucidez nos sentidos e, embora a lógica bakhtiniana resuma o diálogo em "toda a comunicação verbal, de qualquer tipo que seja", ele é bem mais que isso, na medida em que a comunicação não-verbal também pode comunicar amor, dor, raiva ou prazer. Sabemos que a correria do dia a dia propicia descompassos, mas relegar diálogos – principalmente sobre assuntos difíceis – significa aumentar a dor e protelar soluções. Mas, para haver diálogo, precisamos ter interesse em ouvir e falar, do contrário, vira monólogo. E Clarice (Lispector) já dizia: “Por enquanto há diálogo contigo. Depois será monólogo. Depois o silêncio. Sei que haverá uma ordem”. Nunca houve tanto sentido nesse ditame, pois a sequência é exatamente essa! O distanciamento faz com que pessoas antes caras, se tornem invisíveis e inverte nossas prioridades para coisas frívolas, como navegar por horas no celular ou preferir assistir TV do que estar com o outro. Um certo comodismo da certeza do outro ao alcance da mão, também acentua abusos que se revelam em profundos vazios quando não se resumem a falas clichês de gente que diz “Eu te amo”, como se fosse pedir “Me prepara um sanduíche”. Culpa da rotina? Pior que não. Culpa do desafeto. Na realidade, somos eternos reclamões, e como tal, não poupamos a oportunidade de usar o dedo em riste para rechaçar outrem por coisas que nos desagradam ao invés de interpor diálogos (e as feridas aumentando...). Tem gente que conversa com as flores, mas como dizia Cartola “As rosas não falam”. Logo, há de se cultivar o amor, pois descasos correm risco de acasos que valorizarão a quem desdenhamos. Daí, é tarde demais para arrependimentos! Nunca duvide que o diálogo caminha de mãos dadas com o amor, mas o amor também cansa por não ser tão generoso como o jardineiro citado por Drummond de Andrade em “Maneira de Amar”. Parafraseando o poeta, o poema fala de um jardineiro que conversava com as flores. Que “passava as manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio”, mas o girassol lhe desdenhava. Mesmo assim, nunca o jardineiro deixou de regá-lo. Um dia o jardineiro foi despedido, pois o dono do jardim achava perda de tempo alguém se dedicar tanto às flores. As flores ficaram tristes, mas a mais triste de todas era o girassol, no que as outras flores questionaram: “Você o tratava mal, agora está arrependido?". O girassol respondeu: “Não. Estou triste porque agora não posso tratá-lo mal. É minha maneira de amar, ele sabia disso, e gostava”. Diálogos à mingua tem esse fim. Daí, resta recolher o amor que ruiu e envergonhado tem pressa de ir embora (Sant'Anna).
Bons Ventos! Namastê.
 

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