Profanação
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sexta, 19 de novembro de 2021

Pendurado na minha biblioteca, guardo quadro com 185 bandeiras, dentre elas, a do Brasil. Quadro comemorativo ao quinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A declaração consta de 31 artigos. O primeiro declara que todos devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade.
A bandeira, e suas cores verde, amarela, azul e branca, foi adotada no dia 19 de novembro de 1889, por Marechal Deodoro, após o golpe militar contra a monarquia. Além das cores verde, amarelo, azul e branco, a monarquia incluía a cor vermelha, a púrpura da nobreza, inclusive do Colégio Cardinalício. Em 1906, foi instituído o Hino à Bandeira. A letra é do poeta parnasiano Olavo Bilac. Parnasianismo foi um recorte da literatura universal que se encantou com a corrente filosófica do positivismo, a base teórica da cosmovisão dos militares daquela época.
O Hino à Bandeira é composto de quatro estrofes e de refrão cantado quatro vezes. Nele se canta “querido símbolo da terra, da amada terra do Brasil”. Na última estrofe se canta “pavilhão de justiça e de amor”.
Até alguns anos, em todas escolas, havia uma haste para desfraldar a bandeira enquanto alunos disciplinados cantavam o hino. No entanto, se Deodoro numa canetada adotou a bandeira da república, pondo no lixo da história a bandeira monárquica, o “sistema”, lentamente, vai deixando mofar o pavilhão quadricolor do Brasil. Perguntem para os 25% dos jovens que não estudam e nem trabalham o que significa a bandeira para eles?
A camisa da seleção disfarça um pouco este imenso vazio. Mas, conforme adverte o sociólogo Zygmunt Bauman, o “sistema” que elegeu o capital como valor supremo de tudo, vai derretendo e jogando no lixo tudo o que não seja idolatrado pela fortuna. 
Soaram como ridículas as manifestações de grupos ensandecidos enrolados em bandeiras que foram às ruas pedir o fechamento do congresso e do STF. Os mais afoitos gritavam “a nossa bandeira é verde e amarela”. Das 185 bandeiras dos países que assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos nenhuma é verde e amarela.  Os fanáticos desinformados que vociferavam falso patriotismo deveriam estudar mais e pelo menos saber quais são as cores da bandeira do Brasil, antes de se proporem a ser os únicos patriotas.
Em nenhum artigo da Declaração dos Direitos Humanos se diz que se deve idolatrar a bandeira nacional, mas conclama os povos a agir com espírito de fraternidade. Assim, as cores das bandeiras pouco valem. Elas, já não anunciam mais as sendas da fraternidade. Ao contrário, são usadas para torpedeá-la, como apregoavam grupos fanatizados ao proclamar o fechamento de instituições que fundamentam a democracia.
Deixará alguém de ser cidadão honrado se desconhecer o significado das cores da bandeira? O sonegador de imposto que se enrola na bandeira será mais cidadão do que um hortelão analfabeto que não sabe cantar o Hino Nacional, mas coopera para o bem da comunidade? Não é a bandeira que faz o cidadão virtuoso, nem Hino Nacional mal cantado, o torna melhor que outro.
É esta confusão de significados e de sentimentos que tomou conta de muita gente que prefere ver o povo carregando o fuzil do que dispor de feijão para alimentar-se.
Estes cidadãos de araque dizem amar o Brasil, mas pouco se interessam com a justiça social, a base da harmonia entre as gentes. Nem bandeira, nem hinos, nem fuzil ou qualquer monarquia militar fazem sentido se o povo passa fome, ou disputa o lixo ainda no caminhão.
Para estes fanáticos, fraternidade é coisa fajuta. Pátria amada é coisa de hino. O que importa é pátria armada. Dom Orlando Brandes, no dia da Aparecida, fez profética crítica a este viés da manipulação do patriotismo. Alguns não gostaram. São estes que dizem amar o Brasil, mas escondem suas fortunas nos “paraísos fiscais”. Existe maior prova de profanação da bandeira do Brasil?
Precisamos de uma bandeira que proclame a fraternidade como compromisso maior da nação. Que cores deveria ter esta utópica bandeira?
 

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